Lições da greve na <em>GM</em>
Na manhã do dia 24 Setembro, os trabalhadores iniciaram uma greve nas 80 fábricas da General Motors existentes em território dos EUA, a primeira em 37 anos. Nem um carro rolou nas linhas de montagem.
Dois dias depois, o presidente da United Auto Workers (UAW), Ron Gettelfinger, anunciou um acordo com a administração e assegurou que os termos contratuais garantiam os postos de trabalho. «Estamos orgulhosos desta proposta e agora vamos para o terreno discuti-la com os associados», disse.
Aparentemente, o projecto da UAW parece credível. Activou-se uma moratória impedindo o encerramento de fábricas pelo período de vigência do acordo, o qual obriga à substituição de qualquer trabalhador que seja despedido ou se reforme.
No entanto, nove fábricas vão encerrar e um décimo do total de unidades produtivas serão seguramente vendidas ou desactivadas. Outras sofrerão cortes no número de trabalhadores. Mais, o acordo dedica páginas inteiras à listagem de sectores a extinguir, o que terá forte impacto entre os trabalhadores de funções mais desqualificadas, sobretudo os afroamericanos, historicamente empurrados para tarefas menos especializadas.
São ainda introduzidos mecanismos de discriminação salarial entre operários com diferentes funções dentro da mesma linha de montagem. Os novos contratados ficam de fora dos planos de saúde enquanto trabalham e depois na reforma.
Três mil trabalhadores temporários passam a integrar os quadros permanentes com salários de topo. Apesar disso, o acordo abre espaço para a contratação de um número indeterminado de temporários que venham a substituir outros com processos de rescisão por mútuo acordo.
Não será isto uma forma de atacar a solidariedade entre os operários que trabalham lado a lado, desempenham as mesmas funções, mas passam a enquadrar vários patamares de pagamento? O que é a discriminação salarial senão a antítese da solidariedade?
Mesmo para os trabalhadores mais bem pagos, o novo contrato oferece muito pouco. Nos próximos quatro anos não existirão aumentos e o subsídio de cobertura do custo de vida será absorvido pela despesa com o plano de saúde. O sindicato estima que a ligeira subida salarial será mais que ultrapassada pela taxa de inflação.
Um estudo recente da Universidade de Cleveland revela que os salários dos trabalhadores no Ohio caíram 6 por cento entre 2000 e 2006. No mesmo período, os salários dos gestores aumentaram 29 por cento. Os salários dos executivos atingem valores nunca antes verificados.
Ao mesmo tempo que admite salários mais baixos para os novos trabalhadores contratados, a moratória sobre o encerramento de fábricas está sujeita a revisão caso se verifiquem determinadas condições de mercado, tais como a alteração do volume de vendas.
Saúde garantida aos reformados?
Outras questões centrais no novo contrato colectivo é a mudança dos benefícios dos futuros reformados da empresa para um fundo mutualista (a VEBA, na sigla inglesa). Gettelfinger prometeu que com a contribuição da GM, estimada em 30 mil milhões de dólares, a VEBA durará 80 anos.
Importa, no entanto, ter em conta que a instabilidade do mercado de acções não dá qualquer garantia de solvência nesta matéria. A VEBA retira da esfera da empresa à qual os trabalhadores dedicaram uma vida inteira os planos de saúde para os colocar dependentes da roleta especulativa do capital financeiro de Wall Street. Mesmo uma pequena recessão pode deixar em risco as garantias de assistência na doença usufruídas por cerca de 500 mil pessoas. Um crash no mercado bolsista deixará milhares de ex-funcionários, muitos dos quais veteranos de longas lutas, sem os benefícios pelos quais se bateram duramente.
Todos estes cortes em rendimentos e benefícios canalizarão milhões de dólares das mão dos produtores para as dos patrões. Isto é o que o capitalismo mais gosta. As notícias do acordo na GM fizeram disparar o valor das acções da companhia.
Muitos trabalhadores parecem ter ficado agradados com o compromisso alcançado em matéria de saúde e manutenção dos postos de trabalho – questões que geraram grande ansiedade no decurso de meses de negociação – mas essas são falsas promessas dependentes da «fortuna» do capital. A troca representa a substituição dos actuais contratos por outros que prometem mundos e fundos mas nada garantem.
Activistas e militantes da Soldados da Solidariedade estão a promover uma campanha dentro das fábricas apelando ao chumbo do novo acordo.
Independentemente do resultado das votações, o poder da paralisação ocorrida não deve ser subestimado. Ainda que não tenha imposto ganhos significativos na mesa de negociações, o seu impacto foi palpável. Muitos dos grevistas aderiram mesmo que não fossem directamente afectados. Os trabalhadores permaneceram nos portões das fábricas bloqueadas por carros até que a polícia os obrigou a deixar entrar os administradores. Muitos falaram pela primeira vez nos piquetes, que funcionaram como mobilizadores juntando as causas dos trabalhadores mais bem pagos e dos que auferem baixos salários.
Os operários tiveram a seu lado as comunidades locais. Trabalhadores da Ford e da Chrysler disponibilizaram ajuda financeira. O sindicato dos camionistas apelou ao respeito pela greve e pediu aos seus associados que não fizessem entregas em nenhuma das fábricas da GM. Durante dois dias, 73 mil trabalhadores tomaram as rédeas do processo produtivo.
A militância e solidariedade demonstradas na greve será a chave para as batalhas pelo emprego, por isso a tarefa é continuar a organizar tendo em vista futuras lutas.
Dois dias depois, o presidente da United Auto Workers (UAW), Ron Gettelfinger, anunciou um acordo com a administração e assegurou que os termos contratuais garantiam os postos de trabalho. «Estamos orgulhosos desta proposta e agora vamos para o terreno discuti-la com os associados», disse.
Aparentemente, o projecto da UAW parece credível. Activou-se uma moratória impedindo o encerramento de fábricas pelo período de vigência do acordo, o qual obriga à substituição de qualquer trabalhador que seja despedido ou se reforme.
No entanto, nove fábricas vão encerrar e um décimo do total de unidades produtivas serão seguramente vendidas ou desactivadas. Outras sofrerão cortes no número de trabalhadores. Mais, o acordo dedica páginas inteiras à listagem de sectores a extinguir, o que terá forte impacto entre os trabalhadores de funções mais desqualificadas, sobretudo os afroamericanos, historicamente empurrados para tarefas menos especializadas.
São ainda introduzidos mecanismos de discriminação salarial entre operários com diferentes funções dentro da mesma linha de montagem. Os novos contratados ficam de fora dos planos de saúde enquanto trabalham e depois na reforma.
Três mil trabalhadores temporários passam a integrar os quadros permanentes com salários de topo. Apesar disso, o acordo abre espaço para a contratação de um número indeterminado de temporários que venham a substituir outros com processos de rescisão por mútuo acordo.
Não será isto uma forma de atacar a solidariedade entre os operários que trabalham lado a lado, desempenham as mesmas funções, mas passam a enquadrar vários patamares de pagamento? O que é a discriminação salarial senão a antítese da solidariedade?
Mesmo para os trabalhadores mais bem pagos, o novo contrato oferece muito pouco. Nos próximos quatro anos não existirão aumentos e o subsídio de cobertura do custo de vida será absorvido pela despesa com o plano de saúde. O sindicato estima que a ligeira subida salarial será mais que ultrapassada pela taxa de inflação.
Um estudo recente da Universidade de Cleveland revela que os salários dos trabalhadores no Ohio caíram 6 por cento entre 2000 e 2006. No mesmo período, os salários dos gestores aumentaram 29 por cento. Os salários dos executivos atingem valores nunca antes verificados.
Ao mesmo tempo que admite salários mais baixos para os novos trabalhadores contratados, a moratória sobre o encerramento de fábricas está sujeita a revisão caso se verifiquem determinadas condições de mercado, tais como a alteração do volume de vendas.
Saúde garantida aos reformados?
Outras questões centrais no novo contrato colectivo é a mudança dos benefícios dos futuros reformados da empresa para um fundo mutualista (a VEBA, na sigla inglesa). Gettelfinger prometeu que com a contribuição da GM, estimada em 30 mil milhões de dólares, a VEBA durará 80 anos.
Importa, no entanto, ter em conta que a instabilidade do mercado de acções não dá qualquer garantia de solvência nesta matéria. A VEBA retira da esfera da empresa à qual os trabalhadores dedicaram uma vida inteira os planos de saúde para os colocar dependentes da roleta especulativa do capital financeiro de Wall Street. Mesmo uma pequena recessão pode deixar em risco as garantias de assistência na doença usufruídas por cerca de 500 mil pessoas. Um crash no mercado bolsista deixará milhares de ex-funcionários, muitos dos quais veteranos de longas lutas, sem os benefícios pelos quais se bateram duramente.
Todos estes cortes em rendimentos e benefícios canalizarão milhões de dólares das mão dos produtores para as dos patrões. Isto é o que o capitalismo mais gosta. As notícias do acordo na GM fizeram disparar o valor das acções da companhia.
Muitos trabalhadores parecem ter ficado agradados com o compromisso alcançado em matéria de saúde e manutenção dos postos de trabalho – questões que geraram grande ansiedade no decurso de meses de negociação – mas essas são falsas promessas dependentes da «fortuna» do capital. A troca representa a substituição dos actuais contratos por outros que prometem mundos e fundos mas nada garantem.
Activistas e militantes da Soldados da Solidariedade estão a promover uma campanha dentro das fábricas apelando ao chumbo do novo acordo.
Independentemente do resultado das votações, o poder da paralisação ocorrida não deve ser subestimado. Ainda que não tenha imposto ganhos significativos na mesa de negociações, o seu impacto foi palpável. Muitos dos grevistas aderiram mesmo que não fossem directamente afectados. Os trabalhadores permaneceram nos portões das fábricas bloqueadas por carros até que a polícia os obrigou a deixar entrar os administradores. Muitos falaram pela primeira vez nos piquetes, que funcionaram como mobilizadores juntando as causas dos trabalhadores mais bem pagos e dos que auferem baixos salários.
Os operários tiveram a seu lado as comunidades locais. Trabalhadores da Ford e da Chrysler disponibilizaram ajuda financeira. O sindicato dos camionistas apelou ao respeito pela greve e pediu aos seus associados que não fizessem entregas em nenhuma das fábricas da GM. Durante dois dias, 73 mil trabalhadores tomaram as rédeas do processo produtivo.
A militância e solidariedade demonstradas na greve será a chave para as batalhas pelo emprego, por isso a tarefa é continuar a organizar tendo em vista futuras lutas.